O governo pretende autorizar, às vésperas das eleições, o uso do FGTS futuro — ou seja, a previsão de recursos que o trabalhador com carteira assinada terá no fundo caso continue empregado — para o financiamento do Casa Verde e Amarela, o programa habitacional de baixa renda do governo federal.
O objetivo do governo é fazer com que essa previsão de receita entre no cálculo de renda das pessoas que tentam comprar a casa própria, e que estes valores fiquem bloqueados para o pagamento deste empréstimo.
Uma família que ganha R$ 2 mil, por exemplo, costuma comprometer em média 22% dessa renda e assumir uma prestação de R$ 440. Com a autorização do FGTS futuro, poderiam assumir uma prestação de R$ 600, considerando a contribuição de 8% para o FGTS, que dá R$ 160 por mês.
Ao mesmo tempo que a medida visa a turbinar a popularidade de Bolsonaro no período eleitoral, o uso do FGTS futuro atende um pleito das construtoras, que estão com estoques elevados de imóveis.
Entre janeiro e julho deste ano, foram contratadas 145,2 mil unidades do programa Casa Verde e Amarela, 17,6% a menos que no mesmo período do ano passado, quando foram assinados 176,2 mil contratos. O programa é operado basicamente pela Caixa.
Pior resultado do Casa Verde e Amarela
O resultado do programa habitacional deste ano é o pior do governo Bolsonaro, que entre janeiro e julho de 2020 teve 180,5 mil financiamentos e 191,3 mil contratos assinados em igual período de 2019.
A ideia do governo, que finaliza uma resolução do Conselho Curador do FGTS, é permitir que os cotistas possam oferecer aos bancos, no momento da contratação do crédito imobiliário, os novos depósitos que serão feitos na sua conta do Fundo para abater do valor da prestação do financiamento.
A autorização para o uso do FGTS futuro consta na medida provisória (MP) 1.107, que criou o microcrédito digital para microempreendedores, transformada em lei no fim de agosto. Foi incluída na MP durante a tramitação no Congresso Nacional a pedido do próprio governo para atender o setor da construção civil.
Segundo o secretário nacional de Habitação do MDR, Alfredo dos Santos, a medida ainda está sendo costurada e será submetida ao Conselho Curador do FGTS, onde o governo tem maioria. Ele antecipou que norma não deve impor um prazo para o uso do FGTS futuro nos financiamentos habitacionais.
“Vai depender de quanto o trabalhador precisa comprometer do FGTS futuro. A caução pode durar quatro anos, seis anos, por exemplo”, disse Santos, acrescentando que um dos principais objetivos é ampliar a capacidade de pagamento das famílias.
Segundo ele, a estimativa é que a medida possa estimular a contração de 80 mil unidades, além da meta este ano de 330 mil.
Multa de 40%
Quem optar por essa nova modalidade fica com os depósitos futuros bloqueados por determinado período de tempo. Em caso de demissão, os depósitos serão interrompidos. Mas eles serão incorporados ao saldo devedor, caso o mutuário não consiga honrar as prestações.
No programa Casa Verde e Amarela, é possível suspender o pagamento das parcelas por até seis meses, se o trabalhador perder o emprego. A multa de 40% em caso de demissão sem justa causa continua a incidir sobre o saldo do Fundo, mesmo que este esteja comprometido com as prestações.
Segundo o secretário, a cada dez pedidos de contratação, cinco são aprovados, dois são reprovados e três não têm capacidade de renda. Desses, metade é atendida com crédito das próprias construtoras e o restante não consegue o financiamento. A projeção considera este grupo.
As famílias beneficiadas pelo programa Casa Verde e Amarela têm renda entre R$ 2,4 mil e R$ 8 mil. No grupo de menor renda, o FGTS entra com a concessão de subsídio, desconto a fundo perdido na hora da contratação do imóvel de até R$ 47,5 mil. E, mesmo assim, há situações em que as prestações não cabem no orçamento das famílias.
Hoje, além do saque integral do saldo para dar como entrada no imóvel, o trabalhador pode a cada 12 meses autorizar que parte dos recursos que ele voltou a acumular seja utilizada para abater até 80% do valor da prestação. E, a cada dois anos, pode retirar os valores para reduzir o prazo do financiamento e assim, se livrar de parte dos juros ou reduzir o valor da prestação.
Divisão no Conselho Curador
A nova modalidade é polêmica e já divide integrantes do Conselho Curador. Segundo um interlocutor, a medida pode prejudicar o trabalhador, no momento de maior necessidade. Mas beneficia o setor da construção, que reclama dos estoques elevados.
Segundo dados oficiais, o ritmo das contratações do programa em 2022 está aquém dos números registrados nos anos anteriores, quando a economia ainda era afetada fortemente pela pandemia da Covid-19.
Aumento no valor dos imóveis de um lado, devido ao repasse da alta dos insumos e de outro, queda na renda das famílias são os principais motivos. Para estimular as contratações, o governo vem tomando várias medidas.
Passou a incorporar no cálculo dos subsídios dados regionais, como valor do imóvel, renda média da população local e indicares de desenvolvimento econômico.
Em julho, fez ajustes nas faixas de renda do programa e reduziu juros. Em agosto, elevou o prazo de pagamento dos financiamentos de 30 anos para 35 anos. A autorização para uso do FGTS faz parte do pacote, segundo o MDR.
Setor de construção defende a medida
A estratégia é fazer um teste com o Casa Verde e Amarela e futuramente, ampliar para outras linhas de financiamento com recursos do FGTS, disse o secretário. O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, defendeu a medida. Segundo ele, a proposta facilita o acesso ao crédito das famílias de baixa renda e evita o uso do FGTS em saques emergenciais, que serve apenas “de estímulo ao consumo”.
“Nós defendemos o máximo possível que o FGTS seja utilizado na linha do patrimônio, no sentido de ajudar a realizar o sonho da casa própria”, disse Martins.
Contudo, ele defende que a autorização do FGTS futuro nos contratos tenha algum tipo de trava. Uma sugestão seria permitir apenas uma parcela do valor que o empregador deposita todo mês na conta vinculada do trabalhador para que ele possa acumular recursos ao longo do tempo.
Informações: IG